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‘A agricultura sustentável pode ser altamente rentável no Brasil’

Em entrevista à Solidaridad Brasil, a representante brasileira no Board da Solidaridad para a América Latina, Carolina da Costa, acredita que o crescimento econômico precisa vir alinhado à sustentabilidade na agricultura

Carolina da Costa é sócia da Mauá Capital e representante do Board da Solidaridad para a América Latina. Foto: Divulgação/Carolina da Costa

“Falar de sustentabilidade é falar de agenda econômica”, afirma Carolina da Costa, representante do Brasil no Board da Solidaridad para a América Latina. Segundo ela, prosperidade sustentável implica em mudanças estruturais nos modelos econômicos e produtivos. Apaixonada por educação e entusiasta da inovação voltada à redução das desigualdades sociais, Carolina trouxe nesta entrevista concedida à Solidaridad Brasil um pouco de sua visão sobre a mudança dos mercados e crescimento dos investimentos ESG (Environmental, Social and Governance). Sócia da Mauá Capital, trabalha para novos negócios com ênfase na criação de valor por meio de sustentabilidade e impacto e acredita que os modelos de blended finance (conceito de estruturação financeira que agrega capital público, filantrópico e privado) são capazes de gerar impacto. Um grande marco para as discussões de sustentabilidade no Brasil foi a adesão recente dos três maiores bancos do país – Itaú, Santander e Bradesco – à Coalizão Brasil: Clima Florestas e Agricultura, da qual a Solidaridad Brasil é membro. Para Carolina, trata-se de uma sinalização de mercado, motivando as instituições financeiras a dialogarem e buscarem soluções para os desafios socioambientais contemporâneos.

Solidaridad Brasil: Qual você acredita ser a importância das empresas olharem também para o impacto de suas ações no mundo e pensarem em práticas mais sustentáveis?

Carolina da Costa: Criação de valor e criação de futuro. Investidores e consumidores formam expectativas com base em valor de empresas – e suas respectivas marcas – projetado ao longo do tempo. O valor embute riscos e capacidade de inovar, criar novos modelos que atenderão futuras demandas de investidores, consumidores e reguladores.

SB: Com sua experiência no mercado financeiro e em organizações mais voltadas para o setor de negócios, você crê que há uma mudança de comportamento daqueles que trabalham na área?

CC: Sem dúvida. Há muito mais atenção ao tema, busca por informações, discussões de várias naturezas – jurídica, econômica, financeira, tecnológica –, mobilização de profissionais e setores nas várias esferas do sistema. Eu estou no grupo de sustentabilidade da ANBIMA (Associação Brasileira dos Mercados Financeiro e de Capitais), e a gente vê uma quantidade grande de novos fundos com nomenclatura ESG acerca dos quais a ANBIMA está fazendo um trabalho sério de avaliação. Vemos um movimento do mercado financeiro em busca de metodologias e métricas de rating. Empresas estão se mobilizando, criando programas de atração e seleção que reduzam desigualdades e buscando capital “carimbado” para projetos “verdes”, Mas temos que ressaltar que se trata de uma mudança sistêmica. Os sistemas estão estabelecidos com base em contratos: uma coisa é a transformação dos indivíduos, outra coisa é a transformação dos sistemas. Sistemas regulatórios que taxam externalidades e/ou induzem novos mercados, como o de carbono, são muito relevantes para acelerar mudanças, alinhando incentivos econômicos na direção certa.

Eu acredito que as pessoas vão começar a se perguntar cada vez mais sobre o que o dinheiro que elas investem nutre. Eu gosto de dar o exemplo da tabela nutricional dos alimentos. Na minha geração, ela não constava nos rótulos dos alimentos. Hoje isso é impensável, todo mundo quer saber o que ingere. Então, eu acredito que o mesmo vai acontecer com os investidores responsáveis e preocupados com o impacto da alocação de capital.”

SB: Falando da Coalizão Brasil, para você o que representa a entrada dos três maiores bancos do Brasil – Bradesco, Itaú e Santander – no movimento? Acha que isso influenciará mais atores do setor a seguirem o mesmo caminho?

CC: Ouvi de alguém mais cético que “isso é tudo marketing, na prática não estão dispostos a pagar o preço do posicionamento”. Eu vejo diferente. Quando você topa aderir à Coalizão, há um posicionamento, um compromisso público perante clientes, mídia, sociedade. Estamos todos conectados, os “whistleblowers” estão em todo lugar. Um posicionamento público é imediatamente um passivo assumido e você será cobrado. Um posicionamento desse acaba gerando uma sinalização de mercado. Eu vejo, sim, como uma sinalização importante.

A Coalizão Brasil é um movimento multisetorial que promove encontros para discutir as mudanças climáticas e viabilizar a economia de baixo carbono. Foto: Coalizão Brasil

SB: Hoje, trabalhando na Mauá Capital, qual a sua visão em relação aos investidores? Acha que, de fato, há uma importância e apreço maior pelo tema?

CC: Sem dúvida, embora temos muito a avançar no Brasil. Mas o movimento é inexorável. Investidores institucionais, grandes gestores que são referência no mercado, family offices com mandato nessa direção, demandam informações ESG detalhadas acerca de fundos e ativos nos quais estão investindo.

Eu acredito que as pessoas vão começar a se perguntar cada vez mais sobre o que o dinheiro que elas investem nutre. Eu gosto de dar o exemplo da tabela nutricional dos alimentos. Na minha geração, ela não constava nos rótulos dos alimentos. Hoje isso é impensável, todo mundo quer saber o que ingere. Então, eu acredito que o mesmo vai acontecer com os investidores responsáveis e preocupados com o impacto da alocação de capital.

SB: Na sua opinião, por que existe um interesse maior quando falamos de movimentos que lidam diretamente com adoção de práticas de baixo carbono e que combatem o desmatamento na Amazônia e em outros biomas?

CC: Primeiro, por uma questão óbvia: esses recursos estão ficando escassos. Se antes você podia crescer o negócio expandindo terras inadvertidamente, esse modelo chegou no limite. O modelo econômico de crescimento e produtividade deve se pautar  em gestão metrificada e tecnologias que permitam o uso inteligente da terra e a profissionalização do produtor.

Se a Amazônia chegar a um ponto de 25% a 30% de exaustão ela pode, simplesmente, entrar em um processo de degradação sem volta. Os impactos climáticos locais e no globo serão extremos. O desmatamento gera fortes externalidades negativas para o próprio setor causador.

Agropecuária tecnificada e focada em regeneração do solo é um modelo econômico altamente próspero, seja pelo impacto na produtividade, seja pelos ganhos de carbono. De acordo com o estudo “Uma nova economia uma nova era: elementos para a construção de uma economia mais eficiente e resiliente para o Brasil” do WRI (World Resources Institute), se adotarmos um tratamento adequado para a nossa agricultura, com a implementação de práticas sustentáveis e de baixo carbono, isso pode gerar um aumento da produtividade agrícola de R$19 bilhões e um crescimento expressivo do PIB, com um ganho total acumulado de R$2,8 trilhões até 2030.

E obviamente que o Brasil vai estar cada vez mais na lupa, seja porque é um grande exportador – e mercados externos estão cada vez mais severos com rastreabilidade –, seja porque todos estão de olho na Amazônia por conta do papel que ela tem na estabilidade climática do mundo.

Carolina considera o trabalho de inclusão de pequenos e pequenas produtoras rurais desenvolvido pela Solidaridad um grande mecanismo de geração de prosperidade sustentável. Foto: Solidaridad Brasil

Se você aplicar essa cabeça de justiça social e econômica aos problemas que nos cercam, vai ver que há oportunidades em todos os setores. E, aí está a razão de ser da Solidaridad no que tange a inclusão dos pequenos produtores rurais. Acho que não podia ter uma sintonia maior em fazer parte desse time tão diferenciado de técnicos e educadores comprometidos com esses mesmos valores.»

SB: Qual teu desejo para um futuro próximo? O que julga ser necessário para avançarmos na temática de sustentabilidade e responsabilidade social?

CC: O meu grande sonho, e aí eu falo no âmbito do Brasil, é a gente pensar, com muita urgência, em saídas para inclusão econômica e redução das desigualdades sociais extremas. As desigualdades individuais vão sempre existir, mas o que a gente vive é uma profunda falta de oportunidades. Precisamos de educação de qualidade, saúde e novos modelos de funding para viabilizar projetos de impacto social e ambiental.

Admiro o trabalho da Solidaridad, porque a inclusão dos pequenos produtores rurais nas cadeias de suprimentos e alimentares é um grande mecanismo de geração de prosperidade sustentável, além de gerar um benefício ambiental por ajudar na formação do maior contingente de produtores de alimentos no mundo. Consumimos nossas refeições sem nos darmos conta da condição de vida dos produtores rurais, na perda econômica ao longo da cadeia.

Acredito que é interessante estar no mercado financeiro agora porque, na linha de finanças sustentáveis e impacto, há novas oportunidades para inovar em mecanismos que viabilizam projetos sociais e ambientais. E precisamos de muitos no Brasil que não pode apenas depender da filantropia, que é maravilhosa. Um caminho promissor são modelos de blended finance.

Se você aplicar essa cabeça de justiça social e econômica aos problemas que nos cercam, vai ver que há oportunidades em todos os setores. E, aí está a razão de ser da Solidaridad no que tange a inclusão dos pequenos produtores rurais. Acho que não podia ter uma sintonia maior em fazer parte desse time tão diferenciado de técnicos e educadores comprometidos com esses mesmos valores.